Os artistas têm mais defeitos?

No palco tudo se amplia: sua voz aparentemente perfeita, pode mostrar nuances problemáticas que devem ser corrigidas. Seu corpo, supostamente relaxado, mostra tensões em pontos inesperados (que já existiam, mas você nunca havia notado). Relacionamentos entre personagens construídos sob bases frágeis não conseguem convencer. Se o ator não estiver ouvindo de verdade, mostrará um falso aspecto de interesse. Cada ação construída deve fundamentar-se na lógica (na vida real se fundamenta?). Muitos são os detalhes que são ampliados pelo teatro.

"Defeitos passáveis na vida cotidiana ficam patentes ao fulgor das gambiarras..."
(Stanislavsk, "A Preparação do Ator")
Não há quem escape à lista de defeitos que a prática teatral vem demonstrar. Então... não é que os temos? Sim, parece óbvio esse nosso entendimento, mas pense por um momento: se o palco amplia nossos defeitos, deve ampliar também nossa PERCEPÇÃO sobre esses mesmos defeitos, não? Acredito que todos nós reconheçamos fazer certas coisas errado, mas imagine quantos problemas SEQUER TEMOS CONSCIÊNCIA!
Sem a prática teatral e com uma menor percepção de nós mesmos, conduzimos nossa vida em um barco com furos desconhecidos. Aumentamos o peso de nosso transporte por problemas que acreditamos não serem de nossa responsabilidade ("meu barco não tem furos", "os furos que tem eu já conheço").
O ator está livre destas armadilhas, certo? Errado! É ele que mais cai nelas - um dos paradoxos mais ilários desta arte. Pense e relacione. Quantos artistas se comunicam com clareza fora dos palcos? Qual a disciplina que aplicam em suas vidas? Que tipo de calma e auto-controle empregam em seus relacionamentos? Qual o interesse desinteressado têm pelos seus semelhantes?
Mas ele tem uma grande vantagem: se consegue aplicar sua arte durante a prática teatral, basta um pouco de humildade e humanidade para aplicar fora. É exatamente a mesma coisa.
*******************************************************************
Cláudia Mitte
(atriz)
(São Paulo, SP)